A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), pela voz do bispo de Leiria-Fátima, D. José Ornelas, reagiu, esta segunda-feira, ao relatório de abusos sexuais da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja. "É uma ferida que nos dói e nos envergonha", começou por confessar, garantindo ainda que a Igreja está disponível para acompanhar estas vítimas, pedindo "desculpa" pela "falta de proteção".
D. José Ornelas considerou, em seguida, que quem comete estes crimes "tem de assumir as responsabilidades, criminais e civis, dos seus atos", apontando que não são toleráveis "abuso nem abusadores".
"Menores devem sentir segurança, como nos pede o Papa Francisco", vincou, salientando a "dura e trágica realidade" que se vive na Igreja, após sabidos os resultados da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças. "Houve, e há, vítimas de abuso sexual provocadas por clérigos e outros agentes pastorais, no âmbito da vida e das atividades da Igreja em Portugal", frisou.
Dirigindo-se diretamente às vítimas, José Ornelas afirmou que, nas suas vidas se atravessou "a perversidade onde não deveria estar".
"O vosso testemunho é para nós um alerta e um pedido de ajuda a que não queremos nem podemos ficar surdos. Temos consciência de que nada pode reparar o sofrimento e a humilhação que foram provocados, a vós e às vossas famílias, mas estamos disponíveis para vos acolher e acompanhar na superação das feridas que vos foram causadas e na recuperação da vossa dignidade e do vosso futuro", sublinhou.
"Casos destes devem ser denunciados a quem tem responsabilidades"
Os abusadores têm de "reconhecer a verdade sem nada esconder, que se arrependam sinceramente, que peçam perdão a Deus e às vítimas, e que procurem uma mudança radical de vida com a ajuda de pessoas competentes, na certeza de que o caminho da justiça encontrará sempre lugar no coração bondoso de Deus", disse D. José Ornelas, reconhecendo que o estudo da Comissão Independente apresenta um "número muito maior" do que aquele que tinha sido apurado até agora.
Esta situação levou o presidente da CEP a pedir desculpa por a Igreja não ter sabido criar "formas eficazes de escuta e de escrutínio interno", e por nem sempre ter "gerido as situações de forma firme e guiada pela proteção prioritária dos menores".
Com esta "realidade que penaliza", o presidente da Conferência Episcopal ressalvou que o processo não está acabado com a apresentação do relatório - antes pelo contrário, "é um processo começado".
"Impressionou-me o número de resultados", exprimiu esta segunda-feira D. José Ornelas, avançando que o trabalho da Comissão "não se esgota nos resultados" uma vez que "abusos de menores são crimes hediondos".
Relativamente aos bispos suspeitos de encobrimento, o presidente da Conferência Episcopal apontou a "tolerância zero" que deve ser tida em consideração e qualquer caso está sujeito às regras previstas pelo "Direito canónico".
"Casos destes devem ser denunciados a quem tem responsabilidades", precisou, ressaltando o facto de a maioria das denúncias não ter sido feita pelos canais previstos dentro da Igreja.
A CEP vai agora "analisar detalhadamente o relatório final" do estudo, procurando "encontrar os mecanismos mais eficazes e adequados para fomentar uma maior prevenção e para resolver os possíveis casos que possam ocorrer, com celeridade e respeito pela verdade".
Apontando para a Assembleia Plenária Extraordinária da CEP já agendada para 3 de março, em Fátima, admitiu que nessa ocasião "será possível apontar medidas concretas a desenvolver".
Um 'obrigado' à Comissão Independente
D. José Ornelas deixou ainda um agradecimento à Comissão Independente liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, sublinhando o "trabalho técnico fundamental" feito que "ajudará a definir, com maior rigor, uma estratégia para o futuro que procure impedir a repetição de quaisquer tipos de abusos, complementando com a ação que já tem vindo a ser desenvolvida pelas Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e Pessoas Vulneráveis e pela Equipa de Coordenação Nacional destas comissões".
O presidente da CEP apelou também para que se continue a "dar voz ao silêncio" dos mais frágeis, contribuindo para uma cultura de transparência, não só na Igreja, mas em toda a sociedade, fazendo jus à identidade e missão da Igreja em favor da segurança e do bem das crianças, adolescentes e adultos vulneráveis".
De recordar que a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica revelou esta segunda-feira que recebeu 512 testemunhos validados relativos a 4.815 vítimas desde que iniciou funções em janeiro de 2022 e enviou para o Ministério Público 25 casos de entre os 512 testemunhos validados recebidos ao longo do ano, anunciou o coordenador Pedro Strecht.
O pico de casos terá ocorrido entre 1960 e 1990, com 25% destes reportados desde 1991. Cerca de 77% dos agressores são padres, que abusavam uma maioria de vítimas do sexo masculino, com uma média 11,2 anos de idade.
[Notícia atualizada às 16h30]
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